Os presidentes do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), e da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), trabalham para esvaziar a MP (medida provisória) que reforma o setor energético, com o objetivo de evitar que o ministro Alexandre Silveira (Minas e Energia) fique com o protagonismo da proposta.
A medida amplia o fornecimento de energia elétrica gratuita para 16 milhões de pessoas e é considerada pelo governo uma ferramenta política importante para a popularidade do presidente Lula (PT).
De acordo com relatos, a cúpula do Congresso quer antecipar a aprovação desse benefício para as famílias de baixa renda, incorporando esse trecho em uma outra MP já em discussão, editada para ampliar os usos dos recursos do fundo social do pré-sal.
Já a parte regulatória da MP do setor energético, considerada mais complexa e com menor interesse dos eleitores, ficaria para ser debatida num segundo momento, num projeto de lei a parte ou na própria medida provisória.
Um cardeal do centrão diz que uma possibilidade é deixar a MP perder a validade e discutir o assunto por meio de um projeto de lei, o que seria um recado para o Planalto da insatisfação dos parlamentares.
A proposta do governo tem mais de uma dezena de mudanças para o setor, como ampliar o acesso dos consumidores ao mercado livre de energia, retirar parte dos subsídios, criar novas modalidades tarifárias e funções para a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica, entre outros.
Os custos do aumento do número de famílias atendidas pela tarifa social serão transferidos para os demais consumidores, mas o ministério argumenta que serão compensados no longo prazo pela redução dos encargos com as demais alterações da reforma.
As negociações em torno do fatiamento da proposta ainda estão em curso e, de acordo com pessoas que acompanham as conversas, não está completamente definido o que ficará na MP do fundo social do pré-sal e nem o formato de tramitação das demais medidas lançadas como uma reforma do setor.
A ideia da cúpula do Congresso é incorporar a parte com mais apelo popular à MP do fundo social do pré-sal, que já tem uma comissão formada, sob relatoria do deputado José Priante (MDB-PA) e presidência da senadora Professora Dorinha Seabra (União Brasil-TO). Essa MP precisa ser aprovada até 3 de julho.
Outro plano é também incluir nessa MP o conteúdo de um projeto de lei enviado pelo governo para permitir o leilão do petróleo excedente da União em áreas do pré-sal em regime de partilha. A incorporação conta com simpatia de Motta e já foi discutida entre políticos da cúpula da Câmara.
A votação desse tema dentro da medida provisória aceleraria a aprovação e ajudaria o Executivo a desbloquear recursos orçamentários na divulgação do relatório bimestral de receitas e despesas, a ser divulgado em 22 de julho. A meta do governo é arrecadar cerca de R$ 20 bilhões este ano com o leilão.
Lideranças do Congresso apontam, ainda, que isso pode ser uma das medidas alternativas ao decreto do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras).
GOVERNO LULA
A movimentação em torno do fatiamento da MP já chegou ao Palácio do Planalto. Auxiliares de Lula reconhecem que há uma “má vontade” do Congresso com a medida, e enxergam que parte disso se dá por ser um setor que reúne diferentes interesses e também pela disputa da cúpula do Senado com Silveira.
Há uma expectativa de que a ministra Gleisi Hoffmann (Secretaria de Relações Institucionais) se reúna nos próximos dias com Motta e Alcolumbre para discutir a tramitação dessa medida e buscar uma solução. Um aliado da ministra diz que o Palácio do Planalto deve trabalhar para evitar esse fatiamento.
Apesar disso, ao menos parte dos governistas vê a possibilidade dessa divisão do conteúdo da proposta como algo positivo. Quem defende seguir com essa ideia afirma que será favorável contar com apoio de Motta e Alcolumbre para aprovar a medida e que o mais importante é aprovar a ampliação da gratuidade da energia para melhorar a popularidade do presidente Lula (PT).
A MP integra um pacote de medidas sociais que integrantes do governo dizem avaliar ter potencial de reverter a baixa popularidade da gestão petista.
Outro motivo para parte dos governistas apoiar o fatiamento da MP é a percepção de que a parte regulatória deve enfrentar dificuldades no Congresso, o que poderia comprometer todo o projeto. Ao menos 600 emendas foram apresentadas para alterar o texto enviado pelo governo e há embates com parte do setor elétrico em torno das mudanças.
Além disso, dois ex-ministros de Minas e Energia são parlamentares influentes e discordam dos planos de Silveira para o setor. O senador Eduardo Braga atuou nessa função no governo Dilma (PT) e hoje é líder do MDB no Senado. O deputado Fernando Coelho Filho (União Brasil-PE) exerceu o cargo no governo Temer (MDB) e é o mais cotado para ser o relator da MP.
O movimento para esvaziar a MP, no entanto, tem como pano de fundo a briga entre a cúpula do Senado com Silveira. O ministro foi indicado pelo ex-presidente Rodrigo Pacheco (PSD-MG) e por Alcolumbre, mas rompeu com ambos ao não atender a pedidos deles para indicações em agências reguladoras e projetos da área.
Desde que retornou à Presidência do Senado, Alcolumbre defende a Lula que troque o ministro, mas o petista resistiu até o momento. Como revelou a Folha, Alcolumbre e Motta se queixaram a aliados da maneira como foi apresentada a MP do setor energético a parlamentares, já que esperavam ser consultados previamente sobre a proposta. Parlamentares se queixam do que chamam de uma centralização do tema nas mãos de Silveira, que desde o início se colocou como um dos idealizadores da proposta.
Procurados, Priante, Motta e Alcolumbre não responderam até a publicação desta reportagem.
COMO A TARIFA SOCIAL DE ENERGIA FUNCIONA HOJE?
A tarifa social foi criada em 2002 e é aplicada e regulada pela Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica). Hoje, famílias com consumo de até 220 kWh/mês estão contempladas nos descontos.
- Para quem consume de 0 a 30 kWh/mês: 65% de desconto
- Para quem consume de 31 a 100 kWh/mês: 40% de desconto
- Para quem consume de 101 a 220 kWh/mês: 10% de desconto
- Para quem consume acima de 220 kWh/mês: sem desconto
COMO A NOVA TARIFA SOCIAL FUNCIONARÁ?
Com a mudança, famílias inscritas no CadÚnico com renda mensal de até meio salário mínimo por pessoa e que consomem até 80 kWh/mês terão a conta de luz zerada. Caso o consumo exceda os 80 kWh, será pago apenas o proporcional.
- Consumo de 0 a 80 kWh/mês: 100% de isenção
- Consumo acima de 81 kWh/mês: sem isenção total, será pago o que exceder os 80 kWh
COMO SOLICITAR A TARIFA SOCIAL?
Atualmente, a tarifa social de energia é concedida automaticamente para as famílias que estão inscritas no CadÚnico. Caso atenda ao requisito de possuir renda per capta familiar de meio salário mínimo e ainda não esteja no CadÚnico, deve-se fazer o requerimento do benefício e pedir mais informações nos Cras (Centros de Referência em Assistência Social).
QUE DINHEIRO SERÁ UTILIZADO PARA GARANTIR A ISENÇÃO?
Segundo Alexandre Silveira, os recursos viriam da conta de luz paga pelo conjunto dos consumidores —mas que a ideia seria compensar o custo com o corte de subsídios setoriais pagos por meio da fatura atualmente.
O MME reconheceu, no entanto, que a compensação prevista pode ser totalmente efetivada apenas a longo prazo, visto que é necessário respeitar os contratos atualmente em vigor. Por isso, a conta de luz pode aumentar para outros consumidores principalmente no começo.
De acordo com o governo, 16 milhões de famílias (ou 60 milhões de pessoas) serão beneficiadas com a isenção. O custo com esse ponto da proposta é de R$ 3,6 bilhões ao ano. Como resultado, haveria um aumento médio de 0,9% para os demais consumidores regulados, mas o ministério diz que a ideia é equalizar a conta com a revisão de outros subsídios.
Autor/Veículo: Folha de São Paulo
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