Sindicato do Comércio
Varejista de Derivados do Petróleo de Santa Catarina

Seja um associado! Tenha acesso a diversos benefícios e fique por dentro de tudo que está acontecendo no nosso setor.

“Tenho medo de ser CLT.” A frase inicia dezenas de relatos que se multiplicam nas redes sociais, principalmente de jovens que ainda não ingressaram no mercado de trabalho. Em muitos vídeos, as pessoas questionam se vale a pena fazer longos trajetos no transporte público para ganhar salários considerados baixos. Também há reclamações sobre falta de flexibilidade, autonomia e oportunidades para crescer.

O movimento é polêmico e acendeu o debate sobre o que está por trás da crítica ao regime da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), criada em 1943 durante o governo Getúlio Vargas com o objetivo de unificar a legislação trabalhista brasileira. “Você já parou para pensar que trabalha de segunda a sexta-feira, o faturamento da empresa dobra e você continua recebendo o mesmo salário e quem está enriquecendo é o seu chefe?”, provoca a estudante Maju Abreu em um vídeo publicado no TikTok.

Nos comentários da publicação, as opiniões divergem. “Não gosto de CLT porque na maioria dos lugares em que trabalhei fui tratada com estupidez e grosseria”, escreveu uma usuária. Outra disse: “Pior que hoje tem que ter sorte de conseguir CLT, o subemprego é pior”. Já uma terceira comentou: “Sonhar é preciso, mas viver a realidade também. Hoje a maioria trabalha com carteira assinada, nem todo mundo quer ser empreendedor”.

IDEALIZAÇÃO. Para Maria José Tonelli, professora do Departamento de Administração Geral e Recursos Humanos da Fundação Getulio Vargas (FGV), há uma fantasia na sociedade de que, ao seguir outros caminhos, como trabalhar como influencer, é possível ganhar mais dinheiro em menos tempo.

A professora explica que esse discurso se contrapõe ao percurso tradicional dentro de uma empresa, que costuma exigir anos de trabalho para alcançar reconhecimento e nem sempre é garantia de uma carreira bem-sucedida.

Os primeiros problemas no tradicional sistema de carreira, estruturado após a Segunda Guerra Mundial, começaram a surgir nos anos 1990.

Naquele período, a economia global encarou demissões em massa, e a ideia de que o emprego duraria a vida toda passou a perder o sentido. Por isso, apesar do hype atual contra a CLT nas redes, a professora avalia que o “desencanto” com o modelo formal de trabalho se arrasta há décadas.

No entanto, alguns fatores intensificaram o cenário de instabilidade. A professora Maria José diz que a pandemia escancarou a exaustão e os episódios de sofrimento mental no trabalho, além de ter acentuado a volatilidade nas empresas.

DESCONHECIMENTO. Na perspectiva do professor da FEAUSP e pesquisador em relações de trabalho Arnaldo Mazzei, a situação foi agravada antes mesmo do contexto pandêmico, com a reforma trabalhista de 2017. “Desestruturou completamente a CLT, permitindo toda e qualquer forma de contratação precária de trabalho.”

O apelo das redes sociais, de acordo com Mazzei, seduz mais os jovens que buscam flexibilidade. No entanto, eles não compreendem os direitos envolvidos em um contrato CLT, como férias, licença-maternidade, 13.º salário e fundo de garantia, diz o pesquisador.

O professor atribui a viralização desse discurso a campanhas articuladas por setores conservadores com atuação digital.

Na contramão do boom de críticas, pessoas comuns e figuras públicas endossam o coro em defesa da CLT.

O ex-BBB e economista Gil do Vigor publicou um vídeo comentando que, embora ser “PJ (pessoa jurídica) não seja ruim”, a CLT é uma forma de resguardar o trabalhador.

“Geralmente (o trabalho formal disponível no mercado) é de uma precariedade enorme. A pessoa acaba preferindo outras formas de obter renda”

Arnaldo Mazzei

Professor da FEA-USP

A criadora de conteúdo Fabiana Sobrinho publicou um vídeo com a filha pré-adolescente que diz ter medo de ser CLT por associar isso a “pegar ônibus todo dia”. No vídeo, a mãe questiona a filha sobre os motivos que a fazem rejeitar a ideia de um dia trabalhar sob o regime de contrato formal.

TRABALHADORES CLT. No Brasil, 39,3 milhões de trabalhadores informais atuam como autônomos sem CNPJ, ou sem carteira assinada. Já o número de empregados com carteira assinada no setor privado é ligeiramente maior, com 39,6 milhões, segundo dados mais recentes do IBGE.

Maria José lembra que a informalidade representa ao longo dos anos a maior parte da força de trabalho brasileira. Já a CLT foi historicamente responsável por estabelecer a classe média em cargos com estabilidade e benefícios há algumas décadas. “Não é que agora o País se tornou informal. Sempre foi”, diz a professora da FGV. Para ela, o modelo de carreira estável, que era uma realidade da classe média, tende a ficar cada vez mais restrito.

O professor Mazzei concorda e ainda projeta um futuro do trabalho marcado por relações desiguais, com aumento na disparidade salarial e uma juventude convencida de que abrir uma empresa ou atuar como PJ é “o moderno, mas são falsas questões, porque ao longo de um tempo eles vão ver que o tombo é grande”.

Por outro lado, Mazzei pondera que parte da rejeição ao regime CLT também se explica pela baixa qualidade dos empregos formais atualmente disponíveis. “Geralmente é de uma precariedade enorme. A pessoa acaba preferindo outras formas de obter renda”, diz o professor da FEA-USP.

O desenvolvedor Victor Macedo, 27, atua remotamente há dois anos para uma empresa americana no regime de contrato PJ. Durante esse período, chegou a receber propostas de empresas brasileiras com modelo CLT, mas recusou todas por considerar que as condições de trabalho não compensavam. “Quando coloco tudo na ponta do lápis, ser autônomo é mais vantajoso para mim. Às vezes os benefícios são bons (da CLT), mas a remuneração e a flexibilidade que tenho hoje pesam mais”, diz.

O FUTURO DO TRABALHO. Para as empresas, o movimento que viralizou nas redes sociais traz impactos diretos. Maria José observa que está mais difícil reter talentos. “As pessoas não querem mais permanecer em ambientes que não oferecem qualidade de vida, propósito ou equilíbrio”, diz.

Em resposta, as organizações reagem com programas de saúde mental, benefícios e novos formatos de gestão, mas isso não é suficiente para frear a volatilidade de funcionários.

No curto prazo, o cenário é de incerteza. “É difícil prever o futuro do trabalho. Às vezes brinco: será que o trabalho tem futuro?”, questiona. Ela ainda afirma que os profissionais terão de se reinventar, pois o modelo de carreira baseado na ascensão dentro de uma única empresa não existe mais, atesta.

Ainda assim, o modelo formal hoje rejeitado por parte da população parece ser atrativo para jovens de baixa renda por causa da garantia do salário fixo, o acesso a benefícios como vale-alimentação e plano de saúde. “O contrato CLT ainda é visto como sinônimo de segurança para quem não tem rede de proteção”, afirma a professora da FGV. •

Autor/Veículo: O Estado de S.Paulo

Tags:

Comments are closed

Últimos Comentários